"Nesta situação complicada para todos, a criança é quem mais sofre. Com ela a compensação económica do dano não funciona. Os serviços e equipamentos públicos, pensados para os adultos, não são bons para a criança. Se lhe tiramos o pequeno espaço para jogar em frente à casa e, de acordo com a lógica da segregação e da especialização, o devolvemos cem vezes mais rico e cem vezes maior a um quilómetro de distância, na realidade estamos retirando à criança esse espaço, e ponto. A um parque afastado pode ir somente se um adulto a levar, portanto, de acordo com os horários do adulto. Pode ir somente no caso de se vestir em condições, se não dá-nos vergonha tirá-la de casa; mas se se veste em condições, não se pode sujar, e se não se pode sujar não se pode jogar. Quem acompanha a criança tem que esperar por ela, e enquanto espera está a tomar conta dela, e sob vigilância não se pode jogar.
Os parques infantis são um exemplo interessante de como os equipamentos foram pensados pelos adultos e para os adultos, não para as crianças, mesmo nos casos em que estas são os seus beneficiários directos.
Estes espaços para as crianças são todos iguais, em todo o mundo, pelo menos no mundo ocidental: cuidadosamente aplanados, cercados e sempre dotados de escorregas, baloiços e cavalinhos.
O primeiro aparelho que entra em acção para a construção de um jardim ou de um parque infantil é a escavadora. Na ideia dos adultos, é num terreno planinho que as crianças gostam de brincar; mas não é: o espaço horizontal impede-as de se esconderem, que é uma parte importante do jogo, mas facilita a vigilância. A criança deve brincar enquanto é vigiada! Nós os adultos esquecemos que o jogo está vinculado com o prazer, e o prazer não se dá bem com o controlo e a vigilância (pensemos nas nossas experiências de prazer como adultos!).
Um segundo aspecto é que são os adultos que determinam as brincadeiras que as crianças devem ter nestes espaços. Os equipamentos estão pensados para actividades repetitivas e simples, como escorregar, balançar e dar voltas; desta forma a criança assemelha-se mais a um hamster que a um explorador, um investigador ou um descobridor. São brinquedos para jogos específicos que devem ser usados tal como os adultos idealizaram; e como as crianças se fartam facilmente, para inventar novas brincadeiras começam a usá-los de forma diferente, pouco ortodoxa, tornando-os mais perigosos: saltar dos cavalinhos em movimento, descer pelo escorrega de cabeça, balançar-se pendurado por uma só corda do baloiço (como os piratas numa abordagem) ou pendurado com a cabeça para baixo.
Os parques infantis são todos iguais porque representam um estereótipo: a presença de escorregas, baloiços e cavalinhos garante que o adulto-pai se aperceba facilmente que o adulto-político utilizou o dinheiro público para construir um equipamento para o seu filho. Que as crianças gostem dele ou não importa pouco."
Francesco Tonucci, A cidade das crianças