"Considere-se um edifício com algumas janelas
quebradas. Se as janelas não são reparadas, a tendência é para que vândalos
partam mais janelas. Eventualmente, poderão entrar no edifício e se este
estiver desocupado, tornam-se "ocupas" ou incendeiam o edifício. Ou
considere-se um passeio. Algum lixo acumula-se. Depois, mais lixo. Num dado
momento, as pessoas começam a deixar sacos de lixo" - “Fixing Broken
Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities”, de George
L. Kelling e Catherine Coles, é um livro de criminologia e sociologia urbana,
publicado em 1996, sobre criminalidade e estratégias para a controlar ou
eliminar dos ambientes urbanos.
A teoria das “janelas quebradas”
assenta em duas premissas fundamentais: a sua aplicação resulta numa diminuição
do crime de pequena escala e do comportamento antissocial; e o crime de grande
escala é, consequentemente, prevenido. Uma
estratégia bem sucedida para prevenir o vandalismo, segundo os autores do
estudo, passa por corrigir rapidamente os pequenos problemas que surgem no
espaço público, como, por exemplo, reparar rapidamente as janelas quebradas ou
as paredes grafitadas dos edifícios abandonados e dos equipamentos públicos
degradados, limpar os passeios todos os dias e manter uma iluminação pública
eficiente. Estes pequenos gestos conduzem, tendencialmente, a uma diminuição
dos atos de vandalismo.
O ambiente
urbano pode ser um elemento condicionador da segurança pública e da criminalidade,
em parte pela sua relação com as normas sociais e as redes de vizinhança. Num
ambiente urbano com poucas ou nenhumas relações sociais de vizinhança,
as normas sociais e de monitorização são
de difícil perceção. Neste contexto, os indivíduos
procuram sinais dentro do ambiente urbano que lhes transmitam os padrões de comportamento
aceitáveis, sendo que um desses sinais é a aparência geral do
meio envolvente, ou seja, do espaço público, dos edifícios, da rua. Um
ambiente ordenado e limpo envia o sinal de que a área é
monitorizada e que o comportamento criminoso não será tolerado. Por outro lado, um ambiente desordenado, que não tem manutenção (janelas
quebradas, paredes grafitadas, lixo excessivo, iluminação
pública deficitária), transmite a sensação que a área
não é monitorizada e que um comportamento criminoso não será detetado.
Em
2008, a Universidade de Groningen, na Holanda, realizou um estudo sobre o
comportamento dos indivíduos sob condições específicas de ordem e desordem
social. Invariavelmente, concluiu-se que
as condições de desordem incentivam
comportamentos de risco mais graves. Numa
das experiências, por exemplo, foi
colocado um envelope contendo cinco euros numa caixa de correio. Quando a caixa estava
limpa, 13% das pessoas
que passaram, roubaram o dinheiro; quando foi coberta com grafitis, este número
subiu para 27%. Em 2005, pesquisadores da Universidade
de Harvard e da Universidade de Suffolk trabalharam com a polícia local para
identificar 34 "pontos negros" do crime em Lowell, Massachusetts. Em
metade dos pontos, as autoridades limparam o lixo, arranjaram a iluminação
pública, estabeleceram novas normas de construção, de colocação do mobiliário
urbano e expandiram serviços de saúde mental e de ajuda para os desalojados. As
áreas intervencionadas obtiveram uma redução de 20% nas chamadas para a
polícia.
O comportamento delinquente
também leva ao corte das relações de
confiança dentro de uma comunidade. Uma vizinhança
consolidada que cuida das suas casas, do espaço público envolvente e que
desaprova a presença de intrusos indesejados, pode mudar rapidamente e dar
lugar a um espaço inóspito e desagradável. Uma propriedade abandonada, ocupada pela
vegetação espontânea e onde as janelas são partidas, rapidamente atrai outros atos de vandalismo. Estes
tornam-se um foco de insegurança que diminui a qualidade urbana e o valor do
solo no bairro, levando a que, futuramente, outras propriedades sejam
abandonadas. Possivelmente, algumas famílias que
residiam há longos anos na comunidade começarão a sair e para o
seu lugar chegarão novos residentes, sem relações de topofilia com o meio
envolvente.
Esta sequência não conduz
inevitavelmente ao florescimento da criminalidade grave ou a ataques violentos contra estranhos. No entanto, a perceção de muitos moradores em relação à sua
segurança, especialmente o crime violento, altera-se, modificando os
seus hábitos sociais. Vão começar a usar as ruas com menos frequência, sem fruir o
espaço público, sem o utilizar como espaço de lazer e cidadania. Se para alguns moradores esta atomização da vida social tem pouco
significado, porque os seus interesses e relações
sociais estão noutro lugar, distante das suas
habitações, para outras pessoas, em particular os mais
idosos, esta atomização social será bastante nefasta, até mesmo ao nível da
qualidade de vida e da saúde mental, porque as suas vidas e vivências dependem bastante do significado que
atribuem e da relação que mantêm com o ambiente urbano local,
enquanto extensão do lar.
Embora estes estudos não
provem, definitivamente, uma relação causal entre desordem do espaço urbano e criminalidade grave, fornecem um conjunto substancial de evidências sobre
como a qualificação do ambiente urbano pode, eventualmente, ser uma estratégia
importante na prevenção da criminalidade e dos pequenos delitos. Por
último, os efeitos colaterais de um ambiente urbano de qualidade e limpo não se
limitam à segurança pública, mas são
também um fator de valorização da qualidade de vida e do mercado
imobiliário local, que pode conduzir à sua gentrificação, à dinamização do
tecido económico e a uma participação cívica dos seus residentes mais ativa.
João Pedro Bastos
in Correio de Albergaria, nº 6 da III Série, de 7 de Novembro de 2012
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