quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Broken Windows – Perceção da segurança pública


"Considere-se um edifício com algumas janelas quebradas. Se as janelas não são reparadas, a tendência é para que vândalos partam mais janelas. Eventualmente, poderão entrar no edifício e se este estiver desocupado, tornam-se "ocupas" ou incendeiam o edifício. Ou considere-se um passeio. Algum lixo acumula-se. Depois, mais lixo. Num dado momento, as pessoas começam a deixar sacos de lixo" - “Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities”, de George L. Kelling e Catherine Coles, é um livro de criminologia e sociologia urbana, publicado em 1996, sobre criminalidade e estratégias para a controlar ou eliminar dos ambientes urbanos.

A teoria das “janelas quebradas” assenta em duas premissas fundamentais: a sua aplicação resulta numa diminuição do crime de pequena escala e do comportamento antissocial; e o crime de grande escala é, consequentemente, prevenido. Uma estratégia bem sucedida para prevenir o vandalismo, segundo os autores do estudo, passa por corrigir rapidamente os pequenos problemas que surgem no espaço público, como, por exemplo, reparar rapidamente as janelas quebradas ou as paredes grafitadas dos edifícios abandonados e dos equipamentos públicos degradados, limpar os passeios todos os dias e manter uma iluminação pública eficiente. Estes pequenos gestos conduzem, tendencialmente, a uma diminuição dos atos de vandalismo.

O ambiente urbano pode ser um elemento condicionador da segurança pública e da criminalidade, em parte pela sua relação com as normas sociais e as redes de vizinhança. Num ambiente urbano com poucas ou nenhumas relações sociais de vizinhança, as normas sociais e de monitorização são de difícil perceção. Neste contexto, os indivíduos procuram sinais dentro do ambiente urbano que lhes transmitam os padrões de comportamento aceitáveis, sendo que um desses sinais é a aparência geral do meio envolvente, ou seja, do espaço público, dos edifícios, da rua. Um ambiente ordenado e limpo envia o sinal de que a área é monitorizada e que o comportamento criminoso não será tolerado. Por outro lado, um ambiente desordenado, que não tem manutenção (janelas quebradas, paredes grafitadas, lixo excessivo, iluminação pública deficitária), transmite a sensação que a área não é monitorizada e que um comportamento criminoso não será detetado.

Em 2008, a Universidade de Groningen, na Holanda, realizou um estudo sobre o comportamento dos indivíduos sob condições específicas de ordem e desordem social. Invariavelmente, concluiu-se que as condições de desordem incentivam comportamentos de risco mais graves. Numa das experiências, por exemplo, foi colocado um envelope contendo cinco euros numa caixa de correio. Quando a caixa estava limpa, 13% das pessoas que passaram, roubaram o dinheiro; quando foi coberta com grafitis, este número subiu para 27%. Em 2005, pesquisadores da Universidade de Harvard e da Universidade de Suffolk trabalharam com a polícia local para identificar 34 "pontos negros" do crime em Lowell, Massachusetts. Em metade dos pontos, as autoridades limparam o lixo, arranjaram a iluminação pública, estabeleceram novas normas de construção, de colocação do mobiliário urbano e expandiram serviços de saúde mental e de ajuda para os desalojados. As áreas intervencionadas obtiveram uma redução de 20% nas chamadas para a polícia.

O comportamento delinquente também leva ao corte das relações de confiança dentro de uma comunidade. Uma vizinhança consolidada que cuida das suas casas, do espaço público envolvente e que desaprova a presença de intrusos indesejados, pode mudar rapidamente e dar lugar a um espaço inóspito e desagradável. Uma propriedade abandonada, ocupada pela vegetação espontânea e onde as janelas são partidas, rapidamente atrai outros atos de vandalismo. Estes tornam-se um foco de insegurança que diminui a qualidade urbana e o valor do solo no bairro, levando a que, futuramente, outras propriedades sejam abandonadas. Possivelmente, algumas famílias que residiam há longos anos na comunidade começarão a sair e para o seu lugar chegarão novos residentes, sem relações de topofilia com o meio envolvente.

Esta sequência não conduz inevitavelmente ao florescimento da criminalidade grave ou a ataques violentos contra estranhos. No entanto, a perceção de muitos moradores em relação à sua segurança, especialmente o crime violento, altera-se, modificando os seus hábitos sociais. Vão começar a usar as ruas com menos frequência, sem fruir o espaço público, sem o utilizar como espaço de lazer e cidadania. Se para alguns moradores esta atomização da vida social tem pouco significado, porque os seus interesses e relações sociais estão noutro lugar, distante das suas habitações, para outras pessoas, em particular os mais idosos, esta atomização social será bastante nefasta, até mesmo ao nível da qualidade de vida e da saúde mental, porque as suas vidas e vivências dependem bastante do significado que atribuem e da relação que mantêm com o ambiente urbano local, enquanto extensão do lar.

Embora estes estudos não provem, definitivamente, uma relação causal entre desordem do espaço urbano e criminalidade grave, fornecem um conjunto substancial de evidências sobre como a qualificação do ambiente urbano pode, eventualmente, ser uma estratégia importante na prevenção da criminalidade e dos pequenos delitos. Por último, os efeitos colaterais de um ambiente urbano de qualidade e limpo não se limitam à segurança pública, mas são  também um fator de valorização da qualidade de vida e do mercado imobiliário local, que pode conduzir à sua gentrificação, à dinamização do tecido económico e a uma participação cívica dos seus residentes mais ativa.


João Pedro Bastos
in Correio de Albergaria, nº 6 da III Série, de 7 de Novembro de 2012

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