segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Standard Bike Way

A criação de uma rede de vias seguras para a bicicleta já é possível, no presente, sem a construção de qualquer metro de ciclovia, ciclopista ou ecocoisa. 

Basta aproveitar a rede viária existente, fazendo uso das suas características. 

Num primeiro momento, destacamos (vermelho) as vias onde a velocidade de circulação está limitada a 30 km/h, por esta ser uma velocidade compatível com a circulação de bicicletas. 

De seguida, surgem as vias (verde) que, pela sua dimensão espacial (largura reduzida) ou funcional (tráfego residencial, centro histórico - população envelhecida), serão facilmente convertidas em Zonas de Coexistência

Por último, a requalificação dos caminhos rurais (castanho), alguns deles quase abandonados e ocultos na vegetação, para que adquiram uma nova função na malha urbana.

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terça-feira, 24 de maio de 2016

Pontes pedonais

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"No imaginário urbano é um tipo de infra-estrutura que parece beneficiar os peões: pontes para pedestres. Até mesmo seu nome. Na verdade, são passagens que procuram remover os pedestres da estrada para que os carros não tenham que interromper a sua velocidade ou tenham a dolorosa necessidade de atropelar um e assim perder tanto tempo que você nem poderia imaginar.

Pontes pedonais são uma infra-estrutura que tem todos os atributos desejáveis ​​dentro de uma política pública: podem ser colocadas sem planeamento, criam empregos e grandes contratos, não exigem um diagnóstico complicado, as pessoas exigem-nas e acima de tudo estão acostumadas a elas.

Na crítica óbvia e superficial de peões e ciclistas, os defensores dos carros estão sempre a esquecer-se de uma coisa: nestes modos de transporte é aquele que funciona com um motor. Subir, descer, parar e arrancar implica um esforço e cansar-se. O corpo humano gasta energia, e tudo o que usa a energia procura gastar o mínimo possível.

Do Exército Nacional até ao Hospital Espanhol há uma ponte pedonal. Para usá-la, você tem que subir 40 degraus, caminhar 40 metros e mais 40 degraus para baixo. Neste processo, a energia utilizada pelo ser humano médio é a mesmo que se estivesse andando 320 metros planos (61.6kJ). Se você decidir não usar a ponte para atravessar a avenida e usar a passadeira mais próxima, gasta metade da energia necessária (32kJ). Ficou claro que esta ponte é inútil, mas vamos um pouco mais longe: suponha que o pedestre faz isso várias vezes ao dia e é cansativo ir à volta e subir e descer escadas e tropeçar em passeios de má qualidade e, então, ele decide atravessar onde "não deve" e atravessa a avenida: se chegar vivo, gasta 1/14 da energia necessária para usar a ponte (4.6kJ). Este movimento, que não é patrocinado pelo Departamento de Mobilidade, será ilegal mas é claramente o mais adequado.

A diferença tão grande entre utilizar a ponte e atravessar a avenida torna claro que esta ponte é um elefante branco que só serve para culpar o pedestre em caso de um acidente. Não há qualquer justificação ou razão de ser. Uma ponte é construída para ser um atalho para aqueles que a usam, caso contrário não presta.

Podemos falar sobre como estas pontes para pedestres são mal projectadas: que causam tonturas, que são inseguras, que não há nenhuma maneira de um idoso ou de uma pessoa numa cadeira de rodas a utilizar... mas seria um equívoco fugir da questão. As pontes pedonais são indicadores de política urbana pobre. 

A cidade deve ser planejado para utilizar a energia de forma mais eficiente: os peões e os ciclistas devem se cansar menos e ir mais longe, e os carros devem ser menos usados. O planeamento urbano deve ter menos boas vontades e ser mais racional."


domingo, 17 de abril de 2016

Guetos Infantis

"Nesta situação complicada para todos, a criança é quem mais sofre. Com ela a compensação económica do dano não funciona. Os serviços e equipamentos públicos, pensados para os adultos, não são bons para a criança. Se lhe tiramos o pequeno espaço para jogar em frente à casa e, de acordo com a lógica da segregação e da especialização, o devolvemos cem vezes mais rico e cem vezes maior a um quilómetro de distância, na realidade estamos retirando à criança esse espaço, e ponto. A um parque afastado pode ir somente se um adulto a levar, portanto, de acordo com os horários do adulto. Pode ir somente no caso de se vestir em condições, se não dá-nos vergonha tirá-la de casa; mas se se veste em condições, não se pode sujar, e se não se pode sujar não se pode jogar. Quem acompanha a criança tem que esperar por ela, e enquanto espera está a tomar conta dela, e sob vigilância não se pode jogar.

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Os parques infantis são um exemplo interessante de como os equipamentos foram pensados pelos adultos e para os adultos, não para as crianças, mesmo nos casos em que estas são os seus beneficiários directos.
Estes espaços para as crianças são todos iguais, em todo o mundo, pelo menos no mundo ocidental: cuidadosamente aplanados, cercados e sempre dotados de escorregas, baloiços e cavalinhos.

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O primeiro aparelho que entra em acção para a construção de um jardim ou de um parque infantil é a escavadora. Na ideia dos adultos, é num terreno planinho que as crianças gostam de brincar; mas não é: o espaço horizontal impede-as de se esconderem, que é uma parte importante do jogo, mas facilita a vigilância. A criança deve brincar enquanto é vigiada! Nós os adultos esquecemos que o jogo está vinculado com o prazer, e o prazer não se dá bem com o controlo e a vigilância (pensemos nas nossas experiências de prazer como adultos!).

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Um segundo aspecto é que são os adultos que determinam as brincadeiras que as crianças devem ter nestes espaços. Os equipamentos estão pensados para actividades repetitivas e simples, como escorregar, balançar e dar voltas; desta forma a criança assemelha-se mais a um hamster que a um explorador, um investigador ou um descobridor. São brinquedos para jogos específicos que devem ser usados tal como os adultos idealizaram; e como as crianças se fartam facilmente, para inventar novas brincadeiras começam a usá-los de forma diferente, pouco ortodoxa, tornando-os mais perigosos: saltar dos cavalinhos em movimento, descer pelo escorrega de cabeça, balançar-se pendurado por uma só corda do baloiço (como os piratas numa abordagem) ou pendurado com a cabeça para baixo.

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Os parques infantis são todos iguais porque representam um estereótipo: a presença de escorregas, baloiços e cavalinhos garante que o adulto-pai se aperceba facilmente que o adulto-político utilizou o dinheiro público para construir um equipamento para o seu filho. Que as crianças gostem dele ou não importa pouco."

Francesco Tonucci, A cidade das crianças
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sexta-feira, 15 de abril de 2016

Futurama 1939

Breve história do séc. XX




Vídeo de propaganda da GM para a Feira Internacional de 1939, onde dá a conhecer a sua utopia. Um país ligado por auto-estradas, que atravessam as cidades, sempre com "segurança - mas com maior velocidade", nem que para isso fosse necessário arrasar quarteirões inteiros. É preciso reconhecer que atingiram o objectivo de criar um sociedade dependente do automóvel. Só que como qualquer utopia, nunca são mencionadas as externalidades negativas. E como qualquer visão do futuro, assenta em pressupostos que, tidos como correctos à época, hoje são até caricatos.


O vídeo (a partir dos 8:00) apresenta uma visão do mundo em 1960. Começa por fazer a descrição de um espaço rural belo, puro, a simbiose perfeita entre o homem, a ciência e a natureza, sob a graça de Deus. Um grande celeiro imune a doenças e superprodutivo. Claro que as produções agrícolas precisam de ser escoadas e para isso serão necessárias grandes auto-estradas que liguem as comunidades rurais aos grandes centros de distribuição e consumo. Estradas desenhadas para um grande volume de tráfego e a grande velocidade – “velocidade, mas com segurança!”. As intersecções entre auto-estradas devem permitir uma velocidade elevada constante, com recurso a grandes obras da engenharia, loops, nós, viadutos elevados ou túneis.


E para onde mais podemos nós conduzir? Um grande parque de diversões. Conduza para se alienar. “O progresso humano trouxe novas possibilidades de diversão e recreação!”. Onde? Num espaço segregado, fora da cidade, onde é necessário conduzir para lá chegar.


Mais uns minutos de contemplação de auto-estradas suspensas entre precipícios, onde os automóveis circulam a grande velocidade, mas sempre com “segurança – segurança com uma maior velocidade!”, com recurso ao controlo da distância entre veículo através das ondas de rádio.

Estradas, pontes e túneis rasgam as montanhas, permitindo o famoso “enquadramento cénico” da paisagem desde um automóvel em movimento. Ao fundo, no vale, um resort pitoresco. Que é como quem diz, mais um espaço segregado, neste caso de artificialização do espaço natural e/ou da cultura local. Tudo isto alimentado pela energia de barragens gigantes. As estradas atravessam também as barragens e, suprimindo as viagens cansativas, as vantagens de morar numa pequena cidade estão ao alcance de todos, permitindo que as pessoas que aí vivem tenham uma relação próxima com o mundo em redor.


“O homem começou a reclamar vitória sobre o espaço”.


“Espaço para viver. Espaço para trabalhar. Mais espaço disponível para mais pessoas do que nunca”, através do automóvel e auto-estradas. E como é que se elimina a congestão do tráfego? Em 1939 a solução da GM era:
“Over a spectacular suspension bridge the motorway enters a large city spanning the navigable river on which it is situated, and forming a gateway to the city. A feature of this bridge is the elimination of congestion and the elimination of interference from all the various converging motorways and from all the feeder roads. And now we see a great river city of 1960.”


O problema é que passado uns anos foi necessário mais uma ponte. Depois outra. Alargar as existente. Fly-overs. O automóvel nunca está satisfeito e ocupa todas as faixas e todas as estradas que construírem. E depois precisa de ser estacionado.

Mas estávamos em 1939 e eles não sabiam disto.


A descrição da utópica River City continua. Uma cidade de 1 milhão de pessoas, mais larga, redesenhada e reconstruída. “Espaços residenciais, espaços comerciais e áreas industriais, tudo devidamente segregado, para uma maior eficiência e conveniência”.


Fools!...


“Aqui está uma cidade americana planeada à volta do sistema de mobilidade altamente desenvolvido.”

Os espaços verdes têm continuidade entre si, cercando cada comunidade. Ao longo de ambas as margens do rio, bonitos parques e intervenções paisagísticas substituem os espaços de outrora.

O direito a deslocar-se está tão enraizado como deslocar empresas e negócios fora de moda e bairro pobres indesejados, sempre que possível. “O homem continuamente procura substituir o velho pelo novo!”.


A cidade de 1960: Ar puro, bonitos parques verdes, centros cívicos e de recreação.
“Planeamento urbano moderno e eficiente. Arquitectura de tirar o fôlego. Cada quarteirão é uma unidade completa”. Uma cidade em cada edifício. Virar a sociedade para os espaços interiores, privados.

1939


Claro que as pessoas necessitam de se deslocar entre estas ilhas. Como? “Here is an important intersection in the great metropolis of 1960. Elevated sidewalks give a new measure of safety and convenience to pedestrians. They actually double the available width for traffic in the street”. Passeios elevados, como nova medida de segurança e conveniência para os pedestres. Com esta medida até se consegue duplicar o espaço disponível para mais… automóveis na estrada!
“We see some suggestions of the things to come.  A world that far from being finished has hardly yet begun. A world with a future in which all of us are tremendously interested - because that is where we are going to spend the rest of our lives. A future which can be whatever we propose to make it. True - each of us has different ideas as to what that future will be - but every forward outlook reminds us that all the highways of all research and all communications - all the activities of science, lead us onward to better methods of doing things - with new opportunities for employment - and better ways of living. As we go on, determined to unfold the constantly greater possibilities of the world of tomorrow. As we move more and more rapidly forward, penetrating new horizons in the spirit of individual enterprise in the great American way.”

quinta-feira, 24 de março de 2016

Síndrome de Roma

"Fase de decadência de um país, de um império, de uma nação, em que as elites, a partir do momento em que se assenhoriam dos monopólios essenciais da terra, das águas, deixam de pagar impostos, transferem a carga fiscal para a plebe que não tem esses rendimentos, fazem apenas a tributação do trabalho, e não do património. (...) Nesta fase de decadência, na prática, o Estado não tributa o património, tributa apenas o trabalho, o Estado está falido, não mantém as infra-estruturas, e com as rendas de monopólio dessa elite constrói essas vilas sumptuárias. (...) As elites tinham fugida das cidades e encerrado em condomínios. Porque se o Estado estava falido, com os seus rendimentos eles mantinham infra-estruturas privadas" Pedro Bingre do Amaral

"Para fugir do ensino público “ruim”, escola privada para os filhos. Para fugir do espaço público “ruim”, transporte privado para toda a família. O que é público é ruim porque foi abandonado pelos “30% de cima” ou os “30% de cima” abandonaram os espaços públicos porque eles são ruins? Como todo ciclo vicioso, não é fácil identificar início ou final, causa ou conseqüência. E assim entra em vigor a lei máxima do capitalismo no terceiro mundo: “salve-se quem puder (pagar)”. Tudo com ampla conivência da sociedade e do poder público." Apocalipse Motorizado


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quarta-feira, 23 de março de 2016

Ode ao MosTreNgo

O mostrengo que está no fim do couto
Na noite de breu ergueu-se no ar;
À roda do casario voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem ousa entrar
Nas minhas arcadas que não desvendo,
Meus espaços frios, vazio profundo?»
E o homem na rua disse, furibundo:
«Vou primeiro tomar um Prozac, só um segundo»


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terça-feira, 22 de março de 2016

A esquizofrenia do espaço

De um lado passeios, elemento característico de espaços urbanos e artérias vulgarmente designadas por ruas. Para segurança de todos, em particular dos utentes vulneráveis como o peão, o desenho urbano adequa-se ao ambiente urbano. É essencial que o desenho transmita ao condutor a informação de que está a circular numa zona onde a velocidade de circulação deve ser reduzida;
Do outro lado, railes de protecção, utilizados em estradas onde a velocidade de circulação é elevada, que servem como elemento de protecção na eventualidade de despiste e não permitem a circulação de peões.


Resultado: uma via transgénica, rua de um lado, estrada do outro, onde a velocidade é muito superior ao desejado numa zona urbana, em particular nas imediações de uma escola.


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Sem Ordem nem Progresso

Urbanização de Santa Cruz, muito "moderna", de grandes e largas avenidas desenhadas a regra e esquadro mas sem coração, preparadas para um volume de tráfego (automóvel) absurdo. Prédios separados pela curvatura da terra, interstícios inabitáveis. Um parque infantil que apenas existe pela necessidade de enjaular crianças, paradoxalmente, de forma a protegê-las das avenidas que as rodeiam. E das velocidades a que convidam. Em vez de brincarem na rua, seu habitat natural, apenas um local segregado, monótono, cheio de regras, que não estimula a imaginação, que tolhe a criatividade, que impede a socialização espontânea e autónoma. Em dez anos, construíram-se 3 prédios. A este ritmo, só daqui a cinquenta anos a urbanização estará concluída. Enquanto isso, o solo ficará expectante, em pousio, obedecendo ao superior interesse da especulação, em vez de ser um bem público ao serviço da cidade.

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Senhora do Socorro. O lugar estatístico com maior dinamismo demográfico durante a última década. A ratoeira do povoamento linear, de uma urbanização sem cidade, suburbana, sub-humana. Um lugar (?) segregado e anti-social. Onde ter automóvel é pré-requisito imprescindível ao quotidiano. Onde a rua é uma estrada que, tragédia da ineficiência na utilização do espaço, apenas serve de itinerário para o automóvel circular. Quem pensou no cidadão, homem, mulher, novo, velho? Quem pensou na criança que ali habita? Sim, eu sei, existe por ali mais um parque infantil, igual a tantos outros. Dos melhores indicadores da (falta de) qualidade de um espaço urbano. Mas não existem utilizadores. Quem é que deixa uma criança de 5 anos percorrer 500 metros naquela estrada, sozinha, de casa ao parque?


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No processo de ordenamento de território que deu origem a estes espaços, onde ficaram conceitos como comunidade, pertença, acessibilidade, apropriação, topofilia, qualidade de vida, segurança, saúde, felicidade?

Urbanismo, quo vadis?!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Requalificação do nosso chão

Um pouco por todo o mundo desenvolvido, assiste-se a uma pequena revolução, mais ou menos silenciosa, que terá impactos que perdurarão por muitos anos nas nossas cidades. Não é apenas a face visível das intervenções que marca um corte com o passado. É na própria abordagem ao espaço e aos diferentes elementos em presença e em conflito que se observa uma mudança que, antes de técnica, é sobretudo cultural.

A cidade de Lisboa vem desenvolvendo há alguns anos o seu Plano de Acessibilidade Pedonal, eliminando barreiras, dando maior espaço e prioridade ao peão, construindo mais espaço para as pessoas através do seu programa "Uma Praça em cada Bairro" e promovendo a segurança urbana, ao diminuir a largura dos arruamentos e a velocidade de circulação dos veículos.

A inauguração da requalificação realizada na Rua de Alcântara é o mais recente exemplo desta abordagem, que a Autarquia que estender a toda a cidade.

A eliminação da calçada portuguesa, onde se demonstre que esta é inadequada à circulação pedonal, é mais uma das medidas que dá prioridade à segurança e conforto do peão. A intervenção realizada na Rua de Alcântara é um case study das diferenças entre o antes e o depois, entre um design do arruamento que favorece a eficiência do sistema rodoviário e um design inclusivo dos diferentes modos de transporte, que promove a permanência e apropriação da rua por parte das pessoas, que humaniza o espaço. 


A qualidade do espaço público condiciona a qualidade da cidade. Num momento em que tanto se fala de requalificação urbana, é altura de colocar de lado soluções arcaicas e começar por requalificar o chão que pisamos.