terça-feira, 4 de setembro de 2012

A cidade subvertida


Os excertos que se seguem do filme “Nuovo Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, realizado em 1988, retratam a imagem da praça central da vila de Palazzo Adriano, na Sicília. O filme relata a amizade entre Totó e Alfredo, e a relação afectiva que estes construíram entre si e com um antigo cinema.



Começando na alvorada do século XX, quando o automóvel era apenas um objecto de ostentação de riqueza, podemos observar as diferenças que ocorrem naquele espaço, até à década de 80. O que era um espaço público amplo, higienista, de convívio e vizinhança, aos poucos transforma-se num reduto ocupado pelo automóvel e o próprio cinema é demolido, no final do filme, para dar lugar a um parque de estacionamento.

Esta usurpação, consentida pela Polis, configura uma total subversão do sentido de cidade, enquanto local de partilha e de encontro, de trocas e de diálogo. A rua ou a praça deixam de ser um lugar de fruição pública, de cidadania, para serem um local de passagem, de depósito de veículos, ou seja, um não-lugar.

A invasão das cidades pelo automóvel acentuou-se definitivamente após a II Guerra Mundial e nem as crises petrolíferas puseram um travão a esta praga. Pelo contrário: o aumento do número médio de veículos por família, por comodismo e/ou necessidade; o défice ou deficiente ordenamento urbano, que afasta a função residencial do centro das cidades; a proliferação de vias rápidas e circulares, cada vez mais largas e cada vez mais ineficientes, poluídas, caóticas e castradoras do tempo livre; e a ineficiência do transporte público, em resultado do mau ordenamento (em Portugal, acentuado por uma visão provinciana do transporte público como um modo de transporte das classes mais pobres) e do desinvestimento dos últimos anos (enquanto que o automóvel é subsidiado), conduziram a cidade contemporânea a uma total dependência do automóvel.

Os resultados nocivos deste modelo de desenvolvimento urbano são evidentes na saúde urbana, na diminuição da qualidade ambiental, na diminuição (ironicamente) da acessibilidade, no aumento da insegurança e da solidão, e na diminuição quantitativa e qualitativa do espaço público. 

A resposta das instituições, ao invés de assentar num novo modelo de desenvolvimento e ordenamento, onde se procurasse harmonizar a mobilidade rodoviária com a pedonal, reduzindo a necessidade de deslocações, limita-se a criar pequenos espaços livres do automóvel, como se uma reserva protegida se tratasse. Tal como acontece com as reservas ambientais, que não são mais que ilhas cristalizadas no meio do caos ecológico, também as ruas pedonais, as ciclovias ou os passeios ribeirinhos, não são mais que um último reduto, criado artificialmente e explorado comercialmente, do peão e da fruição do espaço público.

Por último, mais um exemplo da subversão do sentido de cidade, dado Donald Appleyard através do livro Livable Streets e retirado do blogue Menos Um Carro.

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