domingo, 27 de dezembro de 2015

Espaço Zombie

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espaço | s. m. | adj.
1ª pess. sing. pres. ind. de espaçar
Intervalo entre limites.
Vão; claro; lugar vazio.
Tempo (em geral).
Tempo (em que se opera).
Tempo (que medeia entre duas operações ou actos).
Capacidade (de lugar); lugar; sítio.

zombie | s. 2 g.
(palavra inglesa)
substantivo de dois géneros
O mesmo que morto-vivo.

Espaço-Zombie - Espaço semi-construído, alimento da especulação imobiliária, possível pela desregulação da política de solos (quando esta existe) e ausência de planeamento urbano. Aquele que possui as infra-estruturas que lhe dão forma, mas desprovido de vida. Espaço em estádio parasitário que se alimenta do espaço natural e/ou social. Concepção do planeador distópico e irrealista. Génese da bolha imobiliária. Parente próximo do "espaço em pousio".

sábado, 26 de dezembro de 2015

No sábado havia festa


Alfredo, 76 anos

No sábado havia festa. Gaiteiro nos meus tempos de juventude, não perdia um baile por nada. Foi assim que conheci a minha esposa, na festa da terra dela, há muitos anos. Com saudades desses tempos, aperaltei-me, vesti o meu melhor fato e convenci a minha senhora a ir dar uma voltinha. Somos velhos mas ainda gostamos da animação e sempre se vê malta conhecida do nosso tempo, que só nestes dias de Verão por cá aparecem. Saímos de casa, dei-lhe a mão e fomos até à festarola, a pé, porque o carrito já o vendemos há muito, não lhe dávamos uso e o dinheiro faz falta para os medicamentos. Saímos, dizia eu, mas depressa percebemos que não seria fácil lá chegar. Passeios, quando os havia, estavam ocupados por automóveis. Desviar-nos deles não era tarefa simples. As minhas pernas já não dão para provas de obstáculos e a minha senhora, quase cega dos diabetes, esbarrava neles a cada passo. Apertei-lhe a mão ainda com mais força e seguimos pela estrada. O piso era melhor, mas agora os obstáculos moviam-se e vinham a grande velocidade, com os faróis ameaçadores nas ruas escuras. Ouvia-se “estes velhos só estorvam” enquanto nos colávamos aos muros para os deixar passar, ou “estes velhos não sabem ficar em casa, que vêm para aqui fazer?”, enquanto esperávamos para atravessar a rua no nosso passo vagaroso. Acabamos por lhes fazer a vontade. Aquela festa não era mesmo para nós. Demos meia volta, fomos para casa, pus um vinil a tocar no velhinho gira-discos e ficamos a dançar, como no dia em que nos conhecemos, sem estorvar ninguém.


Isabel, 37 anos

No sábado havia festa. Antigamente, fim-de-semana era sinónimo de discoteca, adorava dançar. Mas agora, com o garoto, não há tempo para nada. Nem tinha muita vontade de sair, só a “logística” necessária para levar o miúdo… mas os amigos tanto insistiram que acabei por ir. Nestas festas de Verão sempre nos encontramos todos e pomos a conversa em dia. Lá sentei o miúdo no carrinho e fui a pé, a festa não era longe – aqui nada é longe - e aproveita-se para fazer uma caminhada. Devia fazer isto mais vezes, pensei, mas depressa me lembrei porque não o faço. À medida que me aproximava do recinto, o passeio servia para tudo – automóveis estacionados, esplanadas e barracas de pipocas, brinquedos ou balões, ocupavam o espaço que devia ser meu. Segui pela estrada, como dezenas de outras pessoas, numa negociação difícil com quem circulava de automóvel e se mostrava impaciente. Dei por mim a pensar que era melhor colocar uma matrícula no carrito do garoto, tantas são as vezes em que sou obrigada a utilizar a estrada para nos deslocarmos, mas corria o risco de ter que pagar imposto de circulação. É melhor não arriscar. Chegada ao recinto, as coisas não melhoraram. O piso da entrada devia ter cem anos, em pedras irregulares, escorregadio, talvez apropriado para carroças mas não para pessoas. E eu de saltos, quem me manda ser vaidosa, talvez para a próxima leve calçado para montanhismo. Com tanta canseira para lá chegar, estar em pé tanto tempo, mais a antecipação de novo tormento na saída, acabei por ir cedo para casa e assim evitar a confusão. Mais uns metros de montanhismo e nova prova de perícia por entre automóveis e vendedores ambulantes. Cheguei a casa exausta. Dizem que amanhã a festa continua. Para mim, talvez para o ano.


Paulo, 28 anos

No sábado havia festa. Combinamos sair, a malta do costume. Alguns foram ter comigo e ajudaram-me a entrar no carro. Ainda têm medo quando sou eu a conduzir, mas disfarçam. Na primeira tentativa para estacionar no lugar que me está reservado, deparo-me com o cenário habitual, com um automóvel sem dístico já a ocupá-lo. Há gente que ainda não percebeu que a estupidez não é deficiência… Fui procurar outro lugar, mais longe. À segunda tive mais sorte e lá estacionei. Ajudaram-me a sentar na minha amiga inseparável, a subir o lancil para o passeio, depois a descer para atravessar a passadeira e subir novamente para o passeio do outro lado da rua. Passeio é uma força de expressão, ou porque são estreitos e desconfortáveis para circular com a cadeira, ou porque algum (ir)responsável se lembrou de colocar um sinal ou poste de iluminação mesmo a meio, ou porque não passam de buracos com calçada à volta. A cadeira é automática mas tenho que lhe colocar umas rodas todo-o-terreno. Quando o passeio deixou de o ser para dar lugar a estacionamento, não tive outra opção e segui pela estrada. Chegado ao destino, vejo que a minha vida não ficou facilitada porque o espaço foi pensado para todos menos para mim. Dizem-me que a entrada para deficientes é pelas traseiras. Que dignificante… Disfarço o incómodo e lá fui procurar a “minha” entrada. Finalmente, consegui aceder ao recinto da festa e atravessei todo o espaço para procurar o pessoal. No final desta epopeia, a vontade para me divertir já não era muita, mas a malta tentava animar-me e iam-me trazendo bebidas, já que não conseguia chegar aos balcões dos bares. Entretanto, preciso de utilizar a casa de banho. Sem surpresa, constato que não há nenhuma adaptada à minha condição. Foi a gota de água. A conclusão óbvia é que aquele espaço é deficiente e não me quer lá. Resigno-me, despeço-me de todos e tento fazer o caminho inverso. Sem sucesso. Tive que pedir ajuda. Nesta altura, já só rezava para que nenhum esperto me tivesse bloqueado a porta do carro, como tantas vezes acontece. As minhas preces foram ouvidas, agradeci a quem me acompanhou, eles lá voltaram para a festa e eu fui para casa.


Vítor, 43 anos

No sábado havia festa. Já saí tarde de casa e como sempre acontece quando se tem pressa, é nestas alturas que aparecem os atadinhos a conduzir a vinte à hora. Era gente que nunca mais acabava a dirigir-se para lá, uns a pé, outros de automóvel, às voltas. Procurei um lugar para estacionar o mais próximo possível da entrada, mas não havia. Dou uma volta, mas com tantas pessoas a pé não era fácil, ainda por cima andava tudo no meio da estrada. Fui procurar mais longe, sigo por uma rua e nada, vou por outra e a mesma situação. Entretanto uma fila de automóveis e o pára-arranca. Estava já para buzinar quando percebi que era um rapaz com uma cadeira de rodas que ia no meio da estrada. Mais uma volta. As pessoas no meio do caminho, os velhos que não se desviam, os miúdos a correrem sem noção do perigo dos automóveis. Mais uma volta. Tentei evitar, mas tive que parar na passadeira para deixar passar a Isabel com o garoto (mas quem é que traz uma criança para este caos?). Logo atrás, os velhos outra vez, a atravessar devagarinho e eu cada vez mais atrasado – os meus pais é que iam gostar de ir à festa, mas já é muita confusão para eles. Outra volta e lugar para estacionar nem vê-lo. Sinceramente, não sei para que pago tantos impostos do automóvel, se nem tenho um lugar para estacionar quando preciso. Afinal onde estão os meus direitos? Estava já a ponderar ir deixar o carro em casa e voltar a pé quando descobri uma brecha e estacionei. Foi em cima do passeio, mas felizmente a polícia é compreensiva nestes dias. Ainda demorei uns minutos até chegar ao recinto e com tudo isto perdi metade do concerto.

Nota: os relatos deste artigo são mera ficção. Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência.

in Correio de Albergaria, nº 77, III Série

Evolução da malha urbana de Albergaria

Eram poucas as ruas que se podiam identificar no núcleo urbano de Albergaria-a-Velha no séc. XVII. As vias existentes correspondiam, maioritariamente, aos eixos de ligação entre os lugares do concelho e deste com as principais aglomerações urbanas vizinhas. A malha urbana assinalada na figura seguinte manteve-se praticamente inalterada até meados do séc. XIX. A via mais importante correspondia à antiga estrada real, com orientação aproximada norte-sul, desenvolvendo-se no eixo actualmente formado pelas ruas Comendador Augusto Martins Pereira, Dr. Nogueira Melo, Mártires da Liberdade, de Santo António, do Hospital, Dr. Alexandre Albuquerque e 1º de Dezembro. Este era o principal eixo da urbe e onde se concentravam os principais estabelecimentos comerciais. Nesta zona, em particular entre a Rua dos Mártires da Liberdade e a Rua do Hospital, existia uma maior densidade de arruamentos e edifícios, formando uma malha urbana mais densa e a principal centralidade da urbe. É possível ainda identificar algumas vias de ligação aos lugares do Jogo, Cruzinha e Açores, entre as quais uma via que mais tarde daria origem às ruas da Lapa e Serpa Pinto, assim como uma via com orientação oeste-este, de ligação a Valmaior, actualmente a Rua Dr. Brito Guimarães.

 photo Anexo III.20 Malha Urbana seacutec. XVII.jpg


As restantes vias existentes tinham por finalidade a ligação aos lugares vizinhos, como por exemplo Assilhó, que nesta época constituía ainda um lugar autónomo da urbe, separado fisicamente do centro urbano de Albergaria-a-Velha. A ligação entre estes dois lugares processava-se unicamente através da actual Rua Gonçalo Eriz, anteriormente designada por Caminho das Trapas. Em Assilhó, o edificado concentrava-se a este da Ribeira de Albergaria, onde surge uma maior densidade de ruas e vielas, assim como a Capela. A sudoeste deste lugar desenvolve-se uma via que permitia a ligação aos lugares situados a sul, entre os quais Frias, Alquerubim e São João de Loure. 

A ligação de Albergaria-a-Velha a Campinho e ao Sobreiro processava-se através do actual eixo formado pelas ruas Eng.º Duarte Pacheco e da Santa Cruz, sendo possível identificar uma nucleação mais evidente na confluência entre estas ruas e a das Cruzes, também já existente à época.

Na segunda metade do séc. XIX, iniciam-se os trabalhos de expansão da malha urbana, com a abertura de novas ruas, assim como a construção de alguns equipamentos, entre os quais o abastecimento de água e lavadouros. Após as necessárias expropriações de terrenos e casas, inicia-se a construção de um novo centro cívico, a Praça Nova, atual Praça Ferreira Tavares, onde se instalou mais tarde os Paços do Concelho. Daqui rasgaram-se novas ruas, como a Rua Castro Matoso, a Rua Miguel Bombarda e a Alameda 5 de Outubro. Actualmente, o quarteirão formado entre a rua dos Mártires da Liberdade, a rua do Hospital e a Praça Ferreira Tavares é considerado o Centro Histórico de Albergaria-a-Velha. 

Como se pode observar na Carta Militar de 1945, a malha urbana manteve-se praticamente inalterada desde os primeiros anos desse século. As alterações mais significativas foram a construção da Linha do Vale do Vouga e da correspondente estação, em 1910, a ligação desta à Rua Comendador Martins Pereira, através da Rua Serpa Pinto e do Serrado, a abertura da Avenida Bernardino Máximo de Albuquerque, na década de 30 do século XX, o prolongamento da Rua Marquês de Pombal, para nordeste, e a construção da N16, também na década de 30, fazendo o aproveitamento da ligação já existente até Valmaior.

 photo Anexo III.21 Carta Militar 1945.jpg


A grande expansão da malha urbana acontece apenas a partir das décadas de 60 e 70 do século passado, acompanhando a dinâmica populacional registada no concelho. Ainda na década de 60
 é construída a variante de Albergaria, procurando dar resposta ao crescente tráfego da EN1 que atravessava o lugar de Albergaria-a-Velha através das ruas Comendador Martins Pereira, Dr. Nogueira Melo, Mártires da Liberdade, de Santo António, do Hospital, Dr. Alexandre Albuquerque e 1º de Dezembro, causando graves constrangimentos ao ambiente urbano. Esta localiza-se a nascente do eixo primitivo, separando fisicamente a vila dos lugares do Jogo, Cruzinha e Açores. Ainda que, numa primeira fase, tenha criado constrangimentos pelo corte que provocou em algumas ruas, acabou por se constituir como uma barreira ao crescimento desordenado da urbe em direcção a nascente, delimitando assim o seu perímetro urbano ao mesmo tempo que libertava as ruas referidas do tráfego regional, conferindo a estes arruamentos as características necessárias para desempenharem funções urbanas de cariz local.

Em 1968, inicia-se a construção do mercado municipal em terreno anexo à Avenida Bernardino Máximo de Albuquerque, e durante a década de 70 são construídas a Escola Preparatória Conde D. Henrique e a Escola Liceal e Comercial (actual Secundária), em terrenos agrícolas não urbanizados (com a excepção do bairro Napoleão, entretanto demolido) localizados a oeste da Linha do Vouga, numa encosta voltada a poente. Com a construção destes equipamentos de ensino, rasgaram-se novas vias que permitiram a sua ligação ao centro da urbe, entre as quais a Rua Américo Martins Pereira e, alguns anos mais tarde, a Rua do Vale. Durante esta década, foi também projectado e deu-se início à construção dos arruamentos e edificação no vale localizado entre Assilhó e as novas escolas, criando-se uma nova zona habitacional denominada por Novos Arruamentos (das Escolas Técnicas). Esta nova configuração da malha urbana pode ser observada na Carta Militar de 1977, onde se observa que a urbanização nos lugares de Campinho, Sobreiro, Açores e Sr.ª do Socorro era ainda muito incipiente, restringindo-se à ocupação marginal das vias primitivas e caminhos agrícolas.

 photo Anexo III.22 Carta Militar 1977.jpg


O desenvolvimento da malha urbana prosseguiu, adquirindo a configuração que se conhece hoje, a partir do final do anos 80, consolidando-se durante a década de 90 e seguintes. Em 1983, inicia-se a construção da Zona Industrial de Albergaria-a-Velha, a norte do aglomerado urbano. Em Albergaria-a-Velha, assiste-se a uma densificação da malha urbana, em particular nos Novos Arruamentos, através da ocupação do vale em direcção a
 nordeste, e da nova ligação a Assilhó, através da Rua 25 de Abril, a sul. Verifica-se também a densificação do edificado no eixo da Rua 1º de Dezembro/Rua Dr. Alexandre Albuquerque, assim como a abertura de novas frentes urbanas no sector sudeste, através de novas vias perpendiculares à Comendador Martins Pereira, entre as quais a Urbanização das Laranjeiras (construída no local do antigo parque desportivo da Alba), a Rua Padre Matos, a Rua Bernardino Correia Teles e a Rua do Vale, que adquire finalmente a configuração actual.

Em Campinho, o edificado, que anteriormente se concentrava no eixo primitivo das ruas Eng.º Duarte Pacheco, de Santa Cruz e Marquês de Pombal, começa também a ocupar os terrenos agrícolas que o circundavam, tanto a oeste, pela ligação da Rua do Agro à Rua das Cruzes, e desta à Rua de Santa Cruz pela Rua da Carvoeira; como a este, pela ligação definitiva da Rua do Reguinho à Avenida Afonso Henriques e pela construção, na última década, da urbanização de Santa Cruz; e a norte, pela ocupação dos terrenos situados a norte da Rua Marquês de Pombal e da Avenida Afonso Henriques, facilitada pela abertura de novas vias de acesso à Zona Industrial.

Em Assilhó, dada a exiguidade de espaço no seu núcleo original, a expansão da malha urbana ocorre a oeste da Ribeira de Albergaria, numa zona designada como “Alto de Assilhó”, sem um padrão evidente de desenvolvimento e configuração. Na Sr.ª do Socorro, impulsionada pelo encerramento de uma unidade industrial que aí se encontrava e pela disponibilidade de terrenos, prossegue a ocupação linear da EM 556 através de moradias unifamiliares, não permitindo, desta forma, a criação de uma centralidade. No Sobreiro, a evolução da malha urbana acompanha a tendência histórica de ocupação linear da antiga N16. Nos restantes lugares, a evolução da malha urbana está condicionada à ocupação marginal e densificação das vias existentes, sem um padrão de desenvolvimento explícito ou programado.

 photo Anexo III.23 Carta Militar 2001.jpg


O estudo da evolução da malha urbana de Albergaria transparece a ausência de planeamento urbano, que nem a elaboração do Plano Director Municipal de 1999 conseguiu alterar. Assim, verifica-se que a malha urbana se desenvolveu sobretudo através de processos de loteamento, sem qualquer preocupação com as mais elementares boas práticas de ordenamento do território e sustentabilidade. Os vazios urbanos no centro da cidade, as urbanizações inacabadas e descontextualizadas espacialmente, a sobreocupação de algumas zonas, denotam a inexistência de uma política urbana coerente, cujas consequências económicas, sociais e ambientais tendem a agravar-se.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Terraço Urbano - O Passeio dos alegres

O ser humano é, por natureza, um ser sociável. O espaço de excelência onde o ser humano projecta esta característica é a cidade, em particular no espaço público e no micro-território da rua. É nele que expressa a sua cultura e é nele que actua enquanto ser político. No entanto, as ruas construídas nas últimas décadas tiveram como objectivo único responder à demanda do tráfego motorizado, relegando os restantes modos de transporte para segundo plano, assim como a função social do espaço público, que ficou limitado a passeios cada vez mais exíguos, desconfortáveis e repulsivos para quem neles circula. Além deste design impessoal dos arruamentos, a especulação imobiliária transformou os grandes espaços públicos, como as praças, alamedas e parques, numa raridade da cidade contemporânea.

A presente proposta de criação de um Parklet é um antídoto a este tipo de cidade, procurando criar arruamentos e um novo espaço público mais seguro e confortável, através de um maior equilíbrio entre os utentes da rua, conciliando as necessidades dos utilizadores dos diferentes modos de transporte.


Este conceito enquadra-se na corrente do Novo Urbanismo, que promove a pedonalização das cidades, de forma a conectar as pessoas com o ambiente urbano através dos seus percursos quotidianos. Caminhar possibilita um diálogo com a cidade, o exercício da cidadania e uma identificação do ser com o lugar.


O Parklet é uma iniciativa de pequena escala e curto prazo, com objectivo de produzir mudanças a larga escala e longo prazo, de forma a redefinir o papel da rua nas vivências urbanas. Procura constituir-se como um pequeno espaço público de proximidade, realocando parte do espaço da rua através da conversão de lugares de estacionamento em espaços de convívio, de lazer e de encontro entre vizinhos e visitantes, democratizando assim o espaço público anteriormente privatizado pelo automóvel. Os parklets não se apropriam do espaço dos automóveis; na verdade, o automóvel é que se apropria de espaço público que pertence às pessoas.


Estes espaços proporcionam funções essenciais à vida urbana que têm caído em desuso, como o simples acto de estar na rua, aquilo a que se chamou de “praticar” o espaço. Procuram também encorajar outros estilos de vida compatíveis com a cidade do futuro (actual?), segundo os pressupostos das orientações estratégicas europeias, entre as quais a Carta de Leipzig ou a Estratégia 2020, promover o comércio local e dinamizar as relações de vizinhança, ou seja, tornar a cidade mais humana.


A proposta consiste em quatro Parklets itinerantes, com um custo estimado de 40 mil euros, devendo ser (re)colocados segundo uma estratégia de Urbanismo Táctico - encoraja e convida a comunidade a moldar e a participar na vida da rua, activa consciências e serve de ferramenta (política e social) de mediação e experimentação. Esta abordagem permite testar investimentos significativos e tecnicamente complexos através de intervenções ligeiras, rápidas, baratas e temporárias, incitando os habitantes a reagir a propostas que muitas vezes não entendem. A reacção, apropriação ou desconsideração por determinada mudança no espaço público pode então ser analisada pelos técnicos municipais, de forma a adaptar os projectos futuros de carácter permanente.


Estes novos espaços pretendem promover a inclusão social de todos os grupos sócio-económicos e de todos os cidadãos com mobilidade reduzida, através de um design inteligente, flexível e inclusivo. Possuem também uma série de funcionalidades que propiciam a permanência e utilização por parte de todos, como um estacionamento para bicicletas, Phone Charger ou Hotspot, mobiliário que permite a ligação de um computador portátil, a realização de refeições rápidas, a leitura de um livro… Com a possibilidade deste tipo de vivências, o Parklet permite a transformação do espaço em um lugar.

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De construção modular, constituída por blocos standard de ligação fixa entre si, a estrutura está dimensionada para ocupar o espaço de dois estacionamentos longitudinais, ou seja, 10 metros de comprimento por dois de largura, implantada à cota do passeio para que seja acessível a todos.


O espaço inclui uma zona de parqueamento de bicicletas, também como forma de incentivo à utilização deste tipo de veículo, e outra de descanso com bancos e mesas – que poderá servir de esplanada quando utilizado junto a estabelecimentos de restauração e bebidas – complementadas com uma estrutura de sombreamento que permite o refúgio em dias de calor, mas não demasiado hermética para que permita a transposição dos raios solares em dias encobertos.

Sendo um projecto que pretende promover o uso, frequência e permanência no espaço público, o local será dotado de iluminação própria e de tomadas eléctricas que permitam a ligação de computadores e telemóveis através de energia produzida por um painel solar, também ele previsto. Fica, desde logo, prevista a possibilidade de ligação de um ponto de internet (hotspot).

Por forma a tornar todo o enquadramento mais apelativo e agradável, aumentando a segurança, toda a superfície será adornada com plantas e elementos ajardinados permitindo não só a vedação do local como o seu embelezamento.

A preocupação com alguma facilidade na desmontagem, para a mudança de local não ser um constrangimento, já que o que se pretende é induzir comportamentos através da recolocação em vários locais que necessitem de alteração de usos, leva a alguma adaptabilidade, não só no desenho, mas também na escolha de materiais, muito assente na madeira e nos metais.

Toda a estrutura terá um custo a rondar os 10 000 euros, a que acrescerá apenas o custo de montagem, desmontagem e transporte.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Layers de História


Seria impossível pensar em evolução do espaço se o tempo não tivesse existência no tempo histórico, (...) a sociedade evolui no tempo e no espaço. O espaço é o resultado dessa associação que se desfaz e se renova continuamente, entre uma sociedade em movimento permanente e uma paisagem em evolução permanente. (...) Somente a partir da unidade do espaço e do tempo, das formas e do seu conteúdo, é que se podem interpretar as diversas modalidades de organização espacial (SANTOS, M. 1979)


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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Uber - mais além dos benefícios individuais

Dois textos sobre a problemática que a Uber introduziu, para tentar analisar os impactos gerados por este tipo de empresas nas relações laborais e na mobilidade urbana.

Opinión: Más allá de los beneficios individuales, ¿es bueno Uber para la ciudad?


Por Rodrigo Díaz, arquitecto titulado en la Universidad Católica de Chile y máster en planificación urbana en MIT. Creador de Pedestre.

La mayor parte de la discusión sobre servicios de automóviles de alquiler basados en plataformas tecnológicas (bonito eufemismo para referirse a servicios de taxi como los prestados por empresas globales como Uber, Cabify, y Lyft) ha sido abordada desde dos perspectivas: la de derechos del consumidor al momento de elegir cómo movernos en la ciudad, y la de la libre competencia (o competencia desleal, de acuerdo al cristal con que se mire el asunto). Ambos puntos de vista son relevantes y necesarios, pero en todo este debate ha estado prácticamente ausente la perspectiva de la movilidad, que finalmente es el área en la que directamente inciden estas compañías. En este sentido, poco se ha analizado el impacto de ellas en el sistema de transporte de una ciudad. ¿Son un aporte al ofrecer nuevas opciones para desplazarnos, como señalan sus ejecutivos y numerosos fans, o por el contrario, generan más congestión vehicular, que es lo que no pocos expertos en la materia sostienen?
Debo ser honesto y decir que tengo Uber instalado en mi celular. He ocupado el servicio varias veces y puedo decir, al igual que la mayoría de sus usuarios, que es bastante mejor que el que en promedio prestan los servicios de taxi regulados que son su directa competencia, al menos en la ciudad de México. En un taxi Uber voy cómodo y seguro, y sus tarifas en muchos casos  resultan altamente convenientes, razones de sobra para preferir los servicios de la compañía. Fin del comercial gratuito (no hay palabras para Cabify porque nunca he ocupado el servicio, lo siento).
Ahora bien, la anterior es una perspectiva personal al tema, en la que evalúo los beneficios de una compañía de acuerdo a cómo ésta satisface mis necesidades y aspiraciones específicas en materia de transporte. El que lo haga de buena manera (y repito, Uber lo hace) no quiere decir que estos beneficios se trasladen al ámbito de lo colectivo; en otras palabras, lo que es bueno para mí no necesariamente es bueno para el resto de la ciudad. Sí, un taxi Uber podrá ser cómodo, podrá ser seguro, podrá ser confiable, podrá complacerme dándome botellitas con agua y caramelos para mi hija, pero sigue siendo un automóvil, y en el uso de automóviles en la ciudad los beneficios son típicamente individuales, mientras los costos (ambientales, económicos, de salud pública) los asume toda la sociedad.
Dada la escasa vida que ha tenido el fenómeno, son muy pocos los estudios que se han hecho sobre el real impacto de Uber y otras plataformas en el sistema de transporte urbano. Uno de los pocos disponibles es el que realizaron investigadores de la Universidad de California Berkeley, entre los que se encuentra Robert Cervero, alguien bastante respetado por la comunidad académica del transporte a nivel mundial (el estudio lo puede ver completo acá). Basándose en 380 encuestas realizadas a usuarios de tres compañías (Uber, Lyft y Sidecar), esta investigación analizó el impacto de este tipo de servicios en el área de San Francisco, comparando estas encuestas con estudios previamente realizados entre usuarios de taxi tradicionales. Por si le da lata leer el estudio (es bastante corto), le resumo los resultados más relevantes:
  • Los servicios de automóvil de alquiler basados en plataformas tecnológicas satisfacen una demanda latente de personas que buscan un servicio de puerta a puerta sin tener que recurrir a un automóvil particular (la escasez de estacionamiento y la poca disponibilidad de una oferta atractiva de transporte público son factores que hacen más atractivos los servicios de estas compañías).
  • La principal razón que esgrimen los usuarios para preferir los servicios de estas compañías es la facilidad de pago, el corto tiempo de espera, y la rapidez de viaje (esto último en gran medida es un derivado del segundo punto). Confort y seguridad no son atributos que ocupen una alta prioridad en la toma de decisiones de los usuarios de San Francisco (figura 1).
  • Estas plataformas generarían alguna demanda inducida (viajes que no se realizarían si no existieran los servicios de estas compañías), que el estudio cifra en un 8 por ciento del total de viajes en este modo.
  • Los servicios basados en estas plataformas en alguna medida son competencia directa del transporte público, en especial en el caso de viajes largos o que implican transbordos. Ante el supuesto de que Uber/Lyft/Sidecar no existieran, el 33 por ciento de los entrevistados señaló que haría el viaje en transporte público, el 8 por ciento a pie, y el 2 por ciento en bicicleta (figura 2). En otras palabras, el 43 por ciento de los viajes que estas empresas realizan en el área de San Francisco reemplazarían viajes que de otra manera se realizarían en modos llamados sustentables. En contraste, sólo el 6 por ciento de los encuestados señaló que en esta situación utilizaría su automóvil particular.
El estudio no se pronuncia categóricamente por el probable aumento de kilómetros-vehículo recorridos (VKT en inglés) en la ciudad. Sí señala que puede haber una disminución por el reemplazo de viajes en automóvil particular (y por lo que estos recorren buscando estacionamiento), pero que este impacto positivo quedaría anulado al generarse nuevos viajes, y al reemplazarse viajes en transporte público, a pie y en bicicleta por viajes en automóvil.
Gráfico
Fuente: Rayle, Lisa et al. (2014), App-Based, On-Demand Ride Services: Comparing Taxi and Ridesourcing Trips and User Characteristics in San Francisco. University of California, Berkeley
Fugura 2
Fuente: Rayle, Lisa et al. (2014), App-Based, On-Demand Ride Services: Comparing Taxi and Ridesourcing Trips and User Characteristics in San Francisco. University of California, Berkeley
El estudio hay que tomárselo con pinzas. San Francisco es una ciudad muy particular (allí nació Uber, entre otras cosas), con una escasa oferta de taxis (que además son bastante caros), con un servicio de transporte público que los autores califican de incompleto, y con escasez de estacionamiento en zonas atractoras de viajes. También hay que considerar que Uber y las otras compañías también ofrecen algo distinto dependiendo de qué lado del Río Grande se encuentre la ciudad en que prestan sus servicios. Si en Norteamérica las compañías apuntan al precio, ofreciendo un servicio más barato que el de los taxis de calle, en el sur global la apuesta es por el confort y la seguridad, talón de Aquiles de los servicios de taxi regulares de gran parte de las ciudades de la región (la ciudad de México es un muy buen ejemplo de esto).
Volviendo a la pregunta que dio origen a estas palabras, ¿generan más congestión vehicular estos servicios de taxi basados en plataformas tecnológicas? Tengo la impresión que sí, sobre todo teniendo en cuenta que, al menos en México, en la práctica funcionan como taxis de calle, que dan vueltas todo el día en busca de pasajeros, que gran parte de los kilómetros que recorren los hacen vacíos, y que tienden a concentrarse en áreas y horarios de alta demanda. Si a eso sumamos el hecho que reemplazan un número indeterminado de viajes que de otro modo se harían en transporte público, bicicleta o a pie, tenemos que es muy probable que Uber y similares sí aporten con su grano de arena a aumentar la congestión en nuestras ciudades.
Los defensores del sistema argumentan que será el propio mercado el que finalmente regulará el tamaño de la flota de automóviles de alquiler en una ciudad. El mismo mercado es el que decidirá dónde y a qué horas se concentra esta flota. A decir verdad, no hay muchos antecedentes para sustentar este supuesto. De hecho, cuando esta teoría se aplicó en las ciudades latinoamericanas con ocasión de la privatización y desregulación del transporte público, los porfiados hechos se encargaron de demostrar lo contrario: la flota creció, produciéndose sobreoferta en las áreas más atractivas desde el punto de vista de la demanda de pasajeros. Resultado: alta congestión de microbuses que muchas ciudades latinoamericanas siguen padeciendo (si el tema le interesa, le recomiendo leer este libro de Eduardo Vasconcellos y este documento de Óscar Figueroa). Por otro lado, no hay que olvidar que, dado el modelo de negocio de estas compañías, el costo de la sobreoferta lo pagan los dueños de los automóviles, no a las empresas facilitadoras de las plataformas tecnológicas, a las que no les interesa en absoluto regular el número de unidades que prestan su servicio en la calle.
Si el impacto de Uber y otros en la congestión vehicular es grande o insignificante es todavía un misterio, entre otras cosas porque las compañías no están dispuestas a abrir sus base de datos. Si no sabemos nada del tamaño de flota ni cuántos kilómetros recorren sus unidades cada día, difícilmente podremos estimar el alcance de este impacto, que en este momento queda en el vasto y generoso terreno de las suposiciones. Quizás por aquí podríamos partir la generación de una política pública sobre el tema, exigiendo a las empresas que hagan públicos sus datos operacionales, acción que facilitaría la incorporación de ellas en una estrategia integral de movilidad para las ciudades.
Preguntas a responder: ¿es necesario que una ciudad regule el número de vehículos que prestan servicios de alquiler en sus calles? Si es así, ¿cuál es el mecanismo adecuado?
De momento, y en vista de los argumentos aquí presentados, me cuesta otorgarle a estas compañías el apelativo de transporte sustentable, tal como muchos entusiastas del tema se han apresurado a hacer. Y es que en toda esta discusión no debemos perder una cosa de vista: no hay ni una ciudad en el mundo que se mueva mejor inyectando más automóviles en sus calles.
Palabras al cierre
UberPool es otra cosa. En este servicio, todavía no disponible en Latinoamérica, un vehículo sirve al mismo tiempo a varios usuarios que comparten viaje. En otras palabras, es un taxi colectivo que ordena su demanda y organiza su oferta a través de una plataforma tecnológica. En este caso sí creo que habría una reducción de kilómetros-vehículo recorrido a nivel ciudad, básicamente por la optimización de rutas a través de la concentración de viajes en pocas unidades. Es una alternativa interesante que desde el punto de la movilidad urbana sí vale la pena explorar (ojo, que no me estoy pronunciando sobre los otros problemas asociados a esta compañía, como la competencia desleal con los servicios de taxi regulares. Eso es harina de otro costal).
Originalmente publicado en Pedestre.


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“A nossa confusão sobre a Uber é proporcional à nossa confusão sobre a Internet”

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Calçada portuguesa: a banalização da arte e a arte da banalização

A polémica surgiu tonitruante: querem destruir a calçada portuguesa! Opiniões inflamadas de todos os quadrantes, entre urbanistas, arquitectos, historiadores, anónimos, logo se ergueram. Os comentadores de serviço, com a habitual douta sabedoria de quem sobre tudo sabe, pistoleiros da opinião, depressa apareceram para dissertarem sobre o tema. Como não poderia deixar de ser, não tardaram as petições públicas e as manifestações contra tamanho atentado ao património e cultura nacional.

Assente a poeira, afastado o (i)mediatismo do espectáculo noticioso, o tema depressa se perdeu na espuma dos dias. Como quase sempre acontece, o alarido inicial deu lugar a um debate mais consciente e informado. Afinal, a proposta da Câmara Municipal de Lisboa fazia parte do Plano de Acessibilidade para a cidade, por sinal um documento bastante elogiado por diversas entidades nacionais e internacionais, tornando-se uma referência no que às boas práticas em matéria de acessibilidades diz respeito. E como se viu, o “querem acabar com a calçada portuguesa” estava muito longe da proposta que consta do documento.

Vamos a factos: a calçada portuguesa é um símbolo nacional, um elemento cultural emblemático e reconhecido internacionalmente. Com excepção do Brasil e das ex-colónias, onde ainda é mantida, sendo um dos últimos elementos distintivos do império, apenas aqui se calceta. Embora parente pobre de outras artes e apesar de os seus profissionais não terem o mesmo estatuto e reconhecimento que outros artistas, é indiscutível o seu valor patrimonial. A calçada portuguesa é uma das razões apontadas para a aclamada “luz de Lisboa”. Os padrões decorativos formados pelo contraste cromático quebram a monotonia dos espaços e contribuem para a sua singularidade.

Por tudo isto, a calçada portuguesa deve ser protegida – deve ser, em primeiro lugar, executada por profissionais qualificados e que vejam reconhecida a excelência do seu trabalho (antes de mais, na sua remuneração), tal como os acérrimos defensores do alto valor artístico da calçada sustentam, de forma a manterem um nível mínimo de coerência na sua argumentação; Deve ser colocada através da forma tradicional, permitindo a permeabilização do solo; Deve preservar a sucessão de padrões cromáticos, em vez de consistir na pobreza de sucessivas pedras irregulares monocromáticas. Mas, sobretudo, deve ser reservada aos espaços nobres da cidade, pois uma obra de arte não merece outra coisa que não um espaço condigno, emblemático, capaz de ser valorizada pelo enquadramento.

Infelizmente, os arquitectos portugueses continuam a trilhar o caminho das pedras, usando e abusando da sua aplicação em locais inadequados. A banalização da calçada em tudo o que é espaço pedonal acaba por retirar o simbolismo a esta forma de arte. E ainda mais grave, coloca sérios obstáculos à acessibilidade pedonal, impondo a forma à função.

O espaço público pedonal não é um museu a céu aberto – é um espaço onde as pessoas precisam de circular com conforto e segurança, que não se coaduna, na grande maioria dos espaços citadinos, com um tipo de pavimento inventado no séc. XIX. O (suposto) valor estético não pode ser mais importante que a mobilidade e segurança dos idosos, das pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas, dos pais com carrinhos de bebé, das mulheres com salto alto. A insistência na colocação deste pavimento arcaico e obsoleto em ruas declivosas, acompanhada pela escorrência de águas pluviais e o polimento natural das pedras, ainda mais quando colocadas sob determinadas espécies de árvores, propicia quedas que, no caso dos idosos, poderão ter consequências bastante graves. A calçada é um pavimento que requer uma manutenção constante, cara e especializada. Facilmente surgem pedras soltas, buracos e descontinuidades na calçada, problema agravado pela epidemia dos automóveis estacionados nos passeios (pasme-se o silêncio e cumplicidade dos defensores da calçada perante este atentado real à sua integridade), pelas raízes dos elementos arbóreos ou pelas constantes intervenções técnicas nas redes de iluminação pública, de telecomunicações, de energia e outras.

O paradoxo perfeito da inutilidade da calçada é facilmente observável quando vemos peões a circular, intuitivamente, pela berma da estrada, pois esta tem um piso regular, confortável e seguro, mais favorável à sua locomoção. Assim, temos km de espaço, porventura bonito, mas inútil, a que se juntam mais km construídos todos os anos em novos projectos de suposta requalificação urbana, que mais não fazem que perpetuar a ineficiência e insegurança do espaço público. É urgente abandonar paradigmas amarrados a saudosismos, evitar os erros cometidos no passado e construir passeios que cumpram a sua função: ser acessíveis a todos.

Defender a calçada não passa apenas pela defesa do seu valor estético e do seu método de construção. Defender a calçada não passa por palavras de circunstância e petições românticas. Defender a calçada não passa pela sua utilização ad nauseum em qualquer lugar e sem qualquer tipo de critério e coerência. Defender a calçada é impedir que esta colida com a Lei nº46/2006, que proíbe e pune a descriminação em razão da deficiência. Numa época em que se multiplicam as requalificações de monumentos e sítios de forma a garantir a acessibilidade de todos, defender a calçada enquanto património passa por garantir que esta não constitui um elemento de exclusão social. Defender a calçada é garantir que esta faça parte de projectos pensados para as pessoas e que estes não se esgotem no desenho do plano.


Um bem patrimonial, à partida, representa a herança cultural de um povo e só terá valor se houver um reconhecimento colectivo do seu valor. Mas não terá qualquer valor se for um factor de exclusão desse mesmo povo. A calçada, em particular a calçada portuguesa, deve ser preservada, sim. Mas não a qualquer preço.

in Correio de Albergaria

sábado, 15 de agosto de 2015

Por uma cidade para as crianças

As aglomerações urbanas – e as nossas, à sua escala, não são excepção – cresceram desmesuradamente e de forma desordenada nas últimas décadas. A função social do solo foi quase completamente negligenciada devido à ganância da especulação imobiliária, da ignorância, até por vezes criminosa, de quem deveria salvaguardar o interesse público, da ineficácia de uma política de solos obsoleta e de uma administração pública burocrática e demasiadas vezes refém de interesses económicos. As cidades deixaram de ser planeadas como um espaço comunitário, palco da vida social e política, para serem construídas como um aglomerado de infinitas individualidades, através da primazia dos espaços privados e do desenho urbano subordinado ao automóvel.

Nas cidades contemporâneas escasseiam os espaços comuns, as praças, as alamedas, muitas vezes até o passeio à porta de casa. A vida social enclausurou-se dentro do lar, sinal talvez do individualismo da sociedade actual. Os espaços das vivências colectivas tornaram-se repulsivos, em particular para as minorias que a ele têm mais dificuldade em aceder, sejam os deficientes motores, os idosos ou as crianças. Estas, que antes faziam da rua o parque de jogos do seu imaginário, já não a conhecem. Seja por medos infundamentados de uma criminalidade exagerada pela comunicação social, pela insegurança que o tráfego rodoviário induz, pela moda recente de uma mercantilização do brincar, com os seus espaços e tempos próprios e restritos, ou por um uso excessivo, muitas vezes promovido pelos pais, dos computadores e da televisão, as crianças já não ocupam o espaço que deveria ser também delas - e as poucas que o fazem são olhadas como um protótipo de delinquência.

A relação que a maioria das crianças tem com a cidade, enquanto espaço físico e social, é bastante diferente das gerações anteriores. Já não exploram o bairro, não se aventuram pelos caminhos e atalhos fora da sua zona de conforto, não satisfazem a curiosidade de saber o que está do outro lado do muro. Conduzidas para todo o lado no banco traseiro de um automóvel, não desenvolvem o seu sentido de orientação, não reconhecem os códigos e símbolos que organizam e dão identidade à polis, nem são confrontadas com os conflitos inerentes ao espaço urbano. O défice de actividade física na rua transforma-as em analfabetas motoras, com dificuldades em correr e saltar, em perceber e apreender a mecânica do seu corpo e a relação com o que o rodeia. A sedentarização das crianças é também das principais causas de obesidade infantil, que muitos já consideram a epidemia deste século e será, no futuro e pela primeira vez na história da humanidade, responsável pela diminuição da esperança média de vida. Além destas, o brincar tem também repercussões no desenvolvimento da criança enquanto ser social e emocional, pois é através dos jogos, com outras crianças e sem controlo de um adulto, que aprende a gerir os conflitos no grupo, a assimilar e aceitar a diferença, a reagir perante o confronto e a retirar benefícios da cooperação.

Mudar um caminho que a sociedade vem trilhando há décadas não se afigura fácil. São necessárias mudanças no seio da organização familiar, apenas possíveis com a flexibilização dos horários laborais e do mercado de trabalho. É necessário conceber uma escola diferente, menos enciclopédica do saber e com mais abertura à criatividade e à comunidade, com menos horas de reclusão em salas de aula. E acima de tudo, é necessário pensar o espaço urbano de forma totalmente oposta àquela que tem feito escola no nosso país, para permitir o acesso de todos em segurança e conforto, em particular as crianças, para que estas sejam crianças. Os espaços públicos precisam de recuperar a dignidade e centralidade que perderam, para que as ruas sejam de novo o palco privilegiado da vida social e não meros espaços condutores de fluxos de tráfego. Para que isto se torne realidade é fundamental retirar o automóvel do pedestal em que foi colocado pelos urbanistas do século passado, diminuir a sua velocidade de circulação e humanizar a rua através de um design dos arruamentos mais atrativo para os peões e desconfortável para os veículos. O excesso de estacionamento, que mais não é que um enorme desperdício de espaço na maioria das situações, porque desproporcionado face à procura ou alternativas existentes, deve dar lugar à calçada, a espaços de fruição, de encontro, de arte e de jogos. O denominador comum a estas e outras medidas assenta num urbanismo de proximidade, sustentado por uma estratégia multissectorial e por regulamentos e planos urbanísticos que promovam uma maior densidade habitacional e se oponham à dispersão de serviços e equipamentos pelo território. Uma maior densidade humana, com vínculos mais profundos ao meio e laços de vizinhança mais intensos, além de beneficiar o comércio tradicional e a segurança urbana, contribui para uma maior utilização dos modos suaves, ou seja, o uso da bicicleta e a mobilidade pedonal, da qual as crianças são, obviamente, as principais beneficiadas.

As cidades moldam os seus habitantes. Assim, uma cidade que proporcione um crescimento saudável à criança, que permita o seu desenvolvimento motor, social e emocional, será uma cidade que, no futuro, terá adultos saudáveis, criativos, críticos e com vínculos afectivos ao espaço que habitam. Logo, com maior predisposição para o preservar e valorizar. Não será possível ambicionar resultados diferentes ao nível da inclusão e da coesão social continuando a adoptar as práticas recentes, com estratégias de curto prazo que beneficiam apenas as classes dominantes. Neste sentido, torna-se urgente o desenvolvimento de um planeamento estratégico que consiga, através das ações presentes, moldar a sociedade do futuro.

in Correio de Albergaria

domingo, 21 de junho de 2015

Demografia 2014 - Diminuição dos efectivos populacionais

O INE revelou recentemente a actualização dos dados demográficos para o ano de 2014. A conjugação de um saldo natural negativo de 22 423 com um saldo migratório negativo de 30 056 ditou uma diminuição da população portuguesa em cerca de 52 mil habitantes. Embora menos acentuada que nos dois anos anteriores, estes valores mantêm a tendência de decréscimo populacional que se regista desde 2009, ano em que a população do país atingiu o valor mais elevado de sempre. A estimativa do INE confirmou também a tendência de envelhecimento da população, a um ritmo cada vez mais acelerado. 


No concelho de Albergaria, os dados disponibilizados evidenciam a dinâmica populacional regressiva que se verifica desde 2010. Entre este ano e 2014, o concelho perdeu cerca de 700 habitantes, contabilizando já um efectivo populacional inferior ao registado no ano 2000. 


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Para esta diminuição brusca contribuiu em grande parte o forte saldo migratório negativo (-583 habitantes). De facto, desde 2010 que a taxa de crescimento migratório [Relação entre o saldo migratório durante um ano e a população média desse ano] é negativa, sendo a mais acentuada da Região de Aveiro, com valores a atingir mais do dobro da média regional.


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O saldo natural, por sua vez, contribui também, ainda que numa proporção bastante menor, para a diminuição dos efectivos populacionais. Os valores registados para o concelho de Albergaria, no que à taxa de crescimento natural [Relação entre o crescimento natural da população durante um período e a população média da área em questão durante esse período] diz respeito, foram negativos nos últimos quatro anos mas, ainda assim, inferiores à média da região. No entanto, verifica-se uma diminuição linear desta taxa em Albergaria, enquanto na região se assistiu a uma inversão da tendência de queda no último ano.


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O saldo natural resulta da evolução da natalidade e da mortalidade no concelho. Podemos observar um comportamento da taxa de natalidade [Número de nados-vivos ocorrido durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período] com valores ligeiramente superiores à média regional, registando-se valores mais positivos apenas no concelho de Aveiro, em três dos quatro anos analisados. Estes valores resultam da relativa juventude da população do concelho em comparação com os concelhos vizinhos. No que se refere à taxa de mortalidade [Número de óbitos observado durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período], os valores para o concelho andam em linha com a média regional, com excepção do ano de 2013, em que se registou um valor bastante inferior em Albergaria.


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O comportamento da taxa de natalidade é também explicado pela taxa de fecundidade geral [Número de nados-vivos observado durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido ao efectivo médio de mulheres em idade fértil (entre os 15 e os 49 anos) desse período (habitualmente expressa em número de nados-vivos por 1000 (10^3) mulheres em idade fértil)]. Como se pode observar, esta taxa apresenta valores bastante elevados em Albergaria, muito superiores à média regional, com excepção do ano de 2013.


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A conjugação de todas estas taxas resultam numa diminuição da taxa de crescimento efectivo [A taxa bruta de crescimento populacional é a soma das taxas brutas de crescimento natural e migratório. Relação entre a variação total de população durante um ano e a população média desse ano]. Os valores observados através desta taxa evidenciam uma forte diminuição populacional em Albergaria, a um ritmo superior à média regional, sendo mesmo o terceiro concelho com valores mais reduzidos em toda a região de Aveiro.


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